Eu não compro vidas pelas metade do preço
Como jornalista eu aprendi um monte de coisa. Diria até que seria outra pessoa se tivesse escolhido outra área pra trabalhar. E com certeza essa outra pessoa não faria as interpretações malucas que eu faço da realidade, até porque ela não teria esse maldito olhar jornalístico treinado para ver o diferente, o “fato-bombástico”, ou nem tão bombástico assim. Enfim, chega de condicionais passados que o assunto não tem nada a ver com ser ou não ser um comunicólogo. Até porque, venhamos e convenhamos, eu, comunicóloga, tá complicado!
Vou me reportar ao último dia 31. Último dia do ano, o balneário lotado, com todas aquelas pessoas que vivem cinco dias por ano, os do carnaval, e eu. Eu. Com nojo de praia, sol e tudo o que remete a esse verão filho duma puta que faz no Brasil. Bem, tinha tudo, menos água. Foi um quase-fracasso: quase a ceia não sai, quase eu não tomo banho, quase eu não escovo o dente, quase a terra completa seu ciclo comigo na cama, dormindo. Quase. Onze e meia, de pijama: “Vamos pra praia!”. E como toda boa farofa brasileira, lá fomos nós, com champagne e taças de plástico na mão.
Nem roupa branca eu tinha. E lá fui eu com uma multicolorida, que pedia amor, esperança, paixão, paz, sexo, dinheiro, saúde. Encontrei um espaçinho num banco e resolvi sentar, mas logo na frente de quem? Da realidade que só um jornalista ou humanitário vê na noite de reveillon. Uma criança, de 10 ou 11 anos, sentada no meio fim, amassando garrafas de metal pra vender por uma mixaria.
Aí, alcancei um nível de abstração tal, que já não nem ouvia o que falavam perto de mim. De alguma maneira, aquela criança me tocou. Tocou alguma coisa que me fez acreditar que tava tudo muito errado. É bem verdade que eu nunca gostei de reveillon, mas aquela cena me fez pensar quão ridículo nós somos. Novo ano, tempo de renovar as esperanças, de prometer mudanças e de esquecer tudo isso no dia seguinte, quando o porre passa. É uma pena que tudo do brasileiro se acabe na quarta-feira.
No vai e vem da calçada, com meu olhar fixo interrompido pelas pernas brancas que passavam, com a minha vida fluindo no ar com as (des)esperanças daquele menino, alguém me bateu na cabeça: “Alô, meia-noite, 2008!!”. E eu que já não sou muito de fazer promessa, meu único pensamento de ano-novo foi “fazer o bem, sem olhar a quem”. E essa eu vou cumprir. Sabe por quê? Porque eu não quero que as crias das crias das minhas crias encontrem um mundo com vidas quase vividas.